Com orgulho e com amor – Francisco de Almeida Dias envolve o leitor através das ágeis páginas de Roma portoghese. Storie e memorie di angeli, santi, ambasciatori ed elefanti, (Solfanelli) e acompanha-o num intenso itinerário entre arte, história, música e costumes, um percurso que conta a antiga presença da NaçãoPortuguesa na Roma capital dos Papas, com contínuas ligações entre Itália e Portugal.

As pessoas, antigas e modernas, que Almeida Dias conheceu em Roma ao longo de dezoito anos de trabalho como “expat”, são as verdadeiras protagonistas deste livro, que pode ser lido como um guia original da capital italiana, que deve absolutamente ser percorrida a pé, nestes meses sem turistas, aproveitando da falta de trânsito, talvez a única vantagem desta tremenda pandemia mundial. A história é sempre feita por e de (da e di, em Italiano) pessoas, pequenas ou grandes, importantíssimas ou discretíssimas, e a propósito das preposições da e di,entramos imediatamente in medias res, falando de umSanto devotíssimo, aquele António venerado em Pádua (diPadova), mas que é de Lisboa (da Lisbona) – e isto só para começar a pôr os pontos nos ii. Poderia eu acrescentar que também Santo Ambrósio não é de Milão, e que a casa da sua família ficava no bairro romano de Campo Marzio, mas esta é uma outra história, embora sempre de santos se trate… E está bem assim: os santos devem viajar.
E partindo então, em bom ritmo, da via dei Portoghesi(naturalmente), entre anedotas e encontros, entrando emigrejas como a de Santo António dos Portugueses, com retratos de Reis e de Rainhas brigantinos, embaixadores desenfreados e visionários. Como o tal Manuel Pereira de Sampaio, que nos primeiros anos do século XVIII fez montar no cruzeiro da igreja nacional a incrível capela de São João Batista, projetada por Vanvitelli, obra-prima do barroco romano em lápis-lazúli, ametista, marfins, que foisucessivamente desmontada e transportada por mar até Portugal: hoje, em Lisboa, na Igreja de São Roque, lá se pode ver esta capela, sapientemente remontada como um mágico puzzle precioso, um dos fios da história entre as duas capitais.

Nesses anos em que Sampaio era embaixador junto da corte papal, Portugal transbordava do ouro do Brasil e das especiarias das Índias. E os sinais dessa riqueza refletiam-se nas propriedades de Portugal em Roma, especialmente na residência do Embaixador, onde até dois monsenhores,enviados com as piores das intenções, foram os protagonistas de um furto de preciosas porcelanasorientais, sob a complacência obtorto collo do Diplomata– jarrões que ornam hoje uma das salas do Quirinal. Ah, a diplomacia!
Claro que eram esses eram também os anos em que elefantinhos brancos se passeavam por Roma, extasiando a arraia-miúda, segundo a velha filosofia do panem etcircenses: o mesmo elefante, de nome Hanno, nascido em Ceilão e, por sua desdita, enviado como presente ao Papa Leão X por D. Manuel de Portugal, é o mesmo imortalizado por Bernini com um obelisco às costas, na praça de Santa Maria sopra Minerva.

No livro seguem-se nomes e datas, títulos altissonantes de nobres, cardeais, arquitetos, cantores, mulheres e homens ilustres que ao correr dos séculos foram referências da arte e da política, da história e da religião, da literatura e da arquitetura. Homens e mulheres, tantas mulheres: come Leonor de Fonseca Pimentel heroína da resistência contra os Bourbons em Nápoles. Ou como Luciana SteganoPicchio, “filóloga, iberista, medievalista, brasilianista, historiadora do teatro e da literatura, autora de mais de quatrocentas publicações sobre a língua portuguesa”, que deixou recentemente a sua formidável biblioteca em herança ao IPSAR – Instituto Português de Santo António em Roma, centro cultural na via dei Portoghesi. OuCipriana Pinto, porteira no número 4 da mesma rua, que, com Cidália e Luísa encarnou “a honestidade, a força e o sentido de humor e da alegria de viver das mulheres portuguesas”.
O realizador Manoel de Oliveira, nas suas passagens por Roma, não desdenhava a boa cozinha do Alfredo allaScrofa, enquanto, mais espiritual, o pregador seiscentistaAntónio Vieira (“para nós, portugueses, um mito”, um jesuíta missionário no Brasil, defensor dos direitos dos indígenas) incendiava toda a Roma com os seus sermões, da Igreja dos Estigmas a São Lourenço in Damaso, de São Salvador in Lauro a São Pedro in vincoli etc.: bastaria apenas este itinerário para fazer todo um percurso histórico, literário, religioso e artístico sem par.

Entre citações ligeiramente snob e relações intelectuais(inevitáveis para quem vive como “expat” num contexto internacional e culturalmente vivíssimo como Roma), consciente do próprio “saber” numa cidade cinicamente soberba, mas nem sempre exatamente consciente da sua história, Francisco de Almeida Dias – coração lusitano que bate pela sedutora città eterna – tenta até o dialeto romano de Roma, para se mostrar bem dentro do que fala. E é disso mesmo que nos apercebemos, ao caminhar com ele pelos seus itinerários, ágeis e profundos ao mesmo tempo. Grande conhecedor de uma cidade surpreendente, através das paisagens, dos alimentos, das artes, da ciência, mas sempre cheio da mais terna saudade pela sua pátria,Francisco de Almeida Dias venceu o Prémio QuaderniIbero Americani e o Franco Cuomo International Awardpelo seu contributo na difusão da cultura lusófona em Itália, em 2017.
Penso que se poderia partir de Roma e para voltar a pensar numa Europa bem unida, bem próxima entre os seus Estados, um baluarte da beleza, da cultura e da história de um mundo que corre o perigo de as destruir,em nome de outros valores.
É também para salvar esta beleza que atravessa a nossaEuropa, para criar, em tempos como os atuais, um baluarte espiritual e material contra a pandemia que pode oprimir também o espírito, que a Roma de Francisco de Almeida deve continuar a falar-nos.
tradução Luís Bellas

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